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ARTIGO 537, § 1º DO CPC – ALTERAÇÃO DA MULTA ARBITRADA, INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS VENCIDAS.

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A atual forma da multa processual, também conhecida como astreintes, tem origem no direito francês e foi normatizada pela legislação brasileira antes mesmo do Código de Processo de 2015, por meio da reforma processual oriunda da Lei nº 8.952/1994, quando o legislador criou o artigo 461, que dispunha acerca da multa para a tutela específica de obrigação de fazer. Até então a aplicação das astreintes estava restrita ao artigo 287 do Código de Processo Civil de 1973.

Todavia, com a nova redação do CPC de 2.015, importantes inovações foram inseridas no texto legal, sendo estas o objeto deste artigo, em especial as disposições que tratam sobre majoração, minoração, ou até, extinção das multas processuais.

Conforme entendimento majoritário, a natureza jurídica das astreintes é cominatória/ coercitiva, de caráter acessório, não tendo cunho indenizatório.

Isto posto, importante diferenciar as astreintes da multa penal, uma vez que a última trata de prévia estipulação para perdas e danos, as quais a legislação processual taxativamente autoriza cumular com as astreintes.

Conforme o processualista Fredie Didier a multa penal “tem caráter coercitivo. Nem é indenizatória, nem é punitiva. Isso significa que o seu valor reverterá à parte adversária, mas não a título de perdas e danos. O seu valor pode, por isso mesmo, cumular-se às perdas e danos (art. 461, §2º, CPC). A multa tem caráter acessório: ela existe para coagir, para convencer o devedor a cumprir a prestação.”

Sereno, portanto, que a multa não tem natureza de pena, tratando, desta forma, de instrumento que somente incidirá caso haja descumprimento de uma decisão.

Assim, antes de adentrar aos enfoques das inovações legislativas da Lei 13.105/2015 (NCPC), imperioso esclarecer que o objetivo da multa cominatória é dar maior efetividade às decisões judiciais que, por assim ser, garantem autoridade ao Poder Judiciário e a um Estado democrático de direito. Portanto, o que se pretende é dar efetividade ao processo judicial durante qualquer momento do seu trâmite, ou seja, em procedimento cognitivo, executivo, em tutela provisória ou na sentença.

Não obstante isso, também importante frisar que a atual lei processual, conforme artigo 537, parágrafo 2º, introduziu importante dispositivo ao novel processual, esclarecendo ser do exequente a titularidade da multa. Tal questão era objeto de constante debate doutrinário e jurisprudencial.

A divergência era tamanha que o legislador inclusive tentou encontrar um meio termo, sendo que no projeto de Lei 8046/2010, observa-se no parágrafo 5º do artigo 522, que: “o valor da multa será devido ao exequente até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito na dívida ativa”.   Contudo, o texto final optou por rechaçar tal sugestão, deixando exclusivamente ao exequente a titularidade da multa.

Necessário ainda ressaltar que grande parte da doutrina é no sentido de que a multa deve ser fixada em valor relevante, obviamente considerando a situação fática do processo, já que, somente assim forçará a parte a cumprir o comando judicial.

Assim, voltando ao cerne do artigo, que enfoca a hipótese da variação do quantum debentur arbitrado a título de astreintes, ou até sua extinção, frisa-se que era majoritário, tanto na doutrina como na jurisprudência, aquilo que hoje é tutelado pelo parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/2015, que é a possibilidade do magistrado alterar o valor da multa arbitrada, durante o processo, bem como, eventualmente, excluí-la.

Desta forma, a atual lei processual criou mecanismos claros que ensejam a adequação da multa à obrigação.

Contudo, algumas interpretações literais do parágrafo 1º do artigo 537 são no sentido de que a referida legislação tutelaria apenas a multa vincenda, excluindo do seu âmbito a multa vencida. Entretanto, esta não nos parece ser a intenção do legislador, já que, assim sendo, contrariaria robusta jurisprudência que havia se firmado nos tribunais, inclusive em decisão com natureza repetitiva, e que se embasava no argumento de que a possibilidade de redução evita o enriquecimento sem causa; enquanto a possibilidade de majoração proporciona instrumento eficaz que inibe os litigantes do descumprimento de ordem.

Também nos parece ser nesse entendimento a redação do inciso II, parágrafo 1º, do art. 537 do NCPC, uma vez que ao prever a “justa causa para o descumprimento”, só poderia estar se referindo às multas vencidas, até porque  a“justa causa” seria sempre posterior, ou seja, surgida após o arbitramento da multa, impossibilitando o cumprimento da ordem judicial.

Analisando o tema, nos deparamos com Artigo de Daniel Amorim Assumpção Neves, que ensina: “O §1° prevê que o juiz, de ofício ou a requerimento, pode modificar o valor e a periodicidade da multa, regra já existente no art. 461, §6º, do CPC/1973, quando a multa se tornar insuficiente ou excessiva ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial da obrigação ou justa causa para o seu descumprimento….Nesse tocante havia uma significativa novidade no projeto de lei aprovado na Câmara que foi retirada do Novo CPC pelo Senado. Havia previsão expressa no sentido de que a mudança do valor da multa só se aplicaria para o futuro. Primeiro, porque o dispositivo falava em “multa vincenda” e depois porque afirmava expressamente que a mudança não teria “eficácia retroativa. Como se pode notar no projeto de lei aprovado na Câmara, o valor consolidado das astreintes não poderia ser reduzido pelo juiz, em entendimento que contraria a posição majoritária da jurisprudência. O projeto de lei aprovado na Câmara consagrava o que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chamou de “indústria das astreintes”, quando o exeqüente abdica da satisfação do seu direito para manter a aplicação da multa durante longo espaço de tempo. A retirada da expressão “sem eficácia retroativa” do texto final do art. 537, §1°, do Novo CPC continua a permitir a redução do valor consolidado da multa.”

Observa-se este mesmo pensamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme acórdão de relatoria do Desembargador Miguel Ângelo da Silva, que leciona: “Sem embargo de posicionamentos doutrinários em sentido diverso, persiste a orientação jurisprudencial dominante sustentando admissível a redução do montante das “astreintes” a qualquer tempo, inclusive no tocante ao período pretérito de inadimplemento já consumado, à luz do art. 537, §1°, do CPC”.

Encontramos a mesma inteligência no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme precedente de relatoria da Desembargadora Claudia Grieco Tabosa Pessoa, quando dispõe: “vale lembrar que a referida disposição fora repetida na atual sistemática de ritos(artigo537,§ 1º,I e II, do Novo Código de Processo Civil). A nosso ver, quando mencionou o legislador a possibilidade de alteração de multa vincenda, não excluiu a potencial modificação da vencida, pois, do contrário, não teria facultado sua exclusão”.

Sinaliza na mesma linha o Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando mencionando o novo Código de Processo Civil , em especial o art. 537, § 1°, afirma que “deixando a  medida de ser adequada para seu mister, não havendo  mais  justa  causa  para  sua mantença, deve-se reconhecer, também, a possibilidade de revogação das astreintes pelo magistrado, notadamente   quando   a   prestação  tiver  se  tornado  fática  ou juridicamente  inexigível,  desnecessária  ou  impossível,  tendo-se modificado   sobremaneira  a  situação  para  a  qual  houvera  sido cominada,  sempre levando-se em conta os parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade”.Ou seja, a interpretação deste arresto é de que o STJ, admitindo a revogação da multa e mencionando o Novo Código de Processo Civil, anui com a revogação da multa processual, admitindo a hipótese de alteração da multa vencida.

Contudo, como já afirmado, existem aqueles que defendem o entendimento literal do dispositivo, admitindo mudança do quantum ou periodicidade apenas para as astreintes vincendas, nunca nas vencidas. Este entendimento, repita-se, contrário à jurisprudência dominante quando da vigência do CPC de 1973, faz com que a multa vencida passe a ter status de direito adquirido.

Há julgados que comungam deste entendimento, como aquele que dispôs “que a modificação só pode alcançar as multas vincendas”. Também se observa precedentes nesta linha no Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme Agravo de Instrumento 2241083-22.2016.8.26.0000, de relatoria do Desembargador Edson Luiz Queiroz, julgado em 02/05/2017.

Também neste norte, acórdão prolatado pelo Colégio Recursal de São José dos Campos/SP, quando dispôs que: “o art.537 do CPC estabelece que o juiz pode modificar o valor ou periodicidade apenas da multa vincenda, e não da vencida. A limitação de valor (à expressão monetária da obrigação principal),que existia no projeto do Novo CPC, não foi aprovada pelo parlamento (cf.Novo Código de Processo Civil anotado, Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo, Saraiva,2015,p. 369).

Portanto, esta corrente segue na linha de que a alteração do valor das astreintes deve produzir efeitos ex nunc, não atingindo as prestações vencidas, com base no argumento de que alterando as multas vencidas ensejaria esvaziamento do caráter coercitivo, já que o devedor teria conhecimento de que pode contar com sua redução de forma retroativa.

Entretanto, como anteriormente defendido, tudo aponta que esta não era a pretensão do legislador, e a jurisprudência, apesar de ainda instável, tende a se firmar no sentido da possibilidade da alteração ou extinção da multa, mesmo da vencida.

Isto exposto, conclui-se que na análise do artigo 537 do NCPC é possível compreender ser permitido ao magistrado modificar ou extinguir a multa a requerimento do interessado, ou até de ofício, seja ela vencida ou vincenda.

Assim, seguindo entendimento proveniente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, mais especificamente da 3ª Turma, conforme AgInt no AgRg no AREsp 738.682,  de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, havendo discussão sobre a alteração das astreintes, deverá o magistrado, independentemente de se tratar de multa vincenda ou vencida, retornar ao momento em que o valor foi fixado e, se naquele ato tiver observar excesso, alterar o quantum e, em caso negativo, manter sem considerar um teto.

Ou seja, de acordo com o precedente mencionado, o valor das astreintes deve ser razoável e proporcional ao cumprimento da obrigação, por isso a lei não estabeleceu valor específico, deixando ao critério do juiz sua aferição. Todavia, o magistrado deve fixá-lo considerando o caso específico no momento do arbitramento,e a possibilidade do cumprimento da obrigação para o exercício da pressão coercitiva.

Por fim, necessário esclarecer que de acordo com precedentes do STJ, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, é possível discutir as astreintes, não ocorrendo qualquer preclusão ou ofensa à coisa julgada.

Neste sentido, Ministro Luís Felipe Salomão ensina: “justamente por não haver um limite máximo de valor, tomando-se em conta sua natureza jurídica e a própria mens legis do instituto (CPC, art. 461, § 6°), reconhece o STJ ser lícito ao magistrado, de ofício ou a requerimento das partes, alterar o montante a qualquer tempo, inclusive na fase de execução, quando modificada a situação para a qual foi imposta. Isso porque não há falar em coisa julgada material, estando perante meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado”.

Portanto, o NCPC amoldou e modernizou a lei pátria ao entendimento da doutrina e da jurisprudência, contudo, por deixar redação colidente, antevemos que o operador do direito deverá se deparar com discussões sobre o tema, mantendo, portanto, o tema sujeito a diferentes correntes de interpretação, até uma efetiva pacificação.

Até lá, conforme as palavras do I. Ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, o assunto astreintes permanecerá “em movimento pendular

* Sócio do escritório Silva Mello Advogados Associados e especialista em Processo Civil, Contencioso de Massa e Contratos de Consumo.

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Art. 287. Se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença

REsp 1.186.960- MG ( 2010/0051756-7)

§ 2º do artigo 287 do CPC: A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa.

DIDIER. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Execução. Vol5. P.443; Ed Podivm, 2009

O valor da multa será devida ao exequente.

Art. 537- A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva;

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)

§ 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

IREITO PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO DA DECISÃO QUE FIXA MULTA COMINATÓRIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008 DO STJ). A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a multa cominatória não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente. Precedentes citados: REsp 1.019.455-MT, Terceira Turma, DJe 15/12/2011; e AgRg no AREsp 408.030-RS, Quarta Turma, DJe 24/2/2014. REsp 1.333.988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014.

“Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015, 2ª ed., RJ, Forense, SP: Método, 2015, p. 347/348)

TJRS- Agravo de Instrumento nº 70071051114 (nº CNJ:0315305.82.2016.8.217000)- 9ª Câmara, Des. Miguel Ângelo da Silva, j. 19.10.2016.

TJSP- Agravo de Instrumento nº 2012625-42.2017.8.26.0000- 19ª Câmara, Des. Claudia GriecoTabosa Pessoa, j. 24.04.2017

REsp 1186960/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 05/04/2016

TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0024419-60.2015.8.19.0000, 2ª Câmara Cível, Des. Alexandre Antônio Franco Freitas Câmara, j. 19.08.2015. Neste v. Acórdão o Desembargador Relator reproduz sua posição doutrinária, manifestada nos Escritos de direito processual – Terceira Série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 221. No mesmo sentido é a lição de Eduardo Talamini em Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: RT, 2001, pp. 248-249.

TJSP, Recurso Inominado nº 0002069-51.2013.8.26.0292, 3T- São José dos Campos, Rel. Dr. Daniel Toscano

Agravo regimentaldesprovido. (STJ – 4ª Turma, AgRg no REsp. 1035001-MA, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 07/04/2015) e AgRg no Ag 878.423/SP, Rel. Min. Paulo de TarsoSanseverino, 3ªTurma, DJe 15/09/2010

STJ, T4, REsp1.186.960 / MG, Min Luis Felipe Salomão

AgInt no AgRg no AREsp 738.682