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DISCUSSÃO JUDICIAL SOBRE RESTRIÇÕES ANTERIORES NÃO INVIABILIZA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 385 DO STJ

Autor(es): Lucas de Mello Ribeiro

Cada vez mais presente, principalmente na vida daqueles que militam em favor de instituições de crédito, a propositura de ações em que se almeja a declaração de inexistência de relação comercial. Na grande maioria desses processos também se observa o pedido cumulado de danos morais, sempre relacionado a inclusão indevida do nome do consumidor por azo da dívida não reconhecida. É de se crer que uma das razões para o aumento destas demandas é a crise financeira que assola o país. Conforme consulta ao site da Serasa Experian[1], em junho de 2015 o número de consumidores com contas atrasadas e registrados nos cadastrados de inadimplência apresentou alta de 4,8% em relação ao mês anterior (abril/15), sendo que a relação interanual, de maio de 2015 versus maio de 2014 – o indicador cresceu 14,9%. Nos primeiros cinco meses daquele ano (2015), o indicador também subiu 14,9% em comparação com o mesmo período do ano anterior, o que era um presságio da gravidade da crise pela qual o Brasil viveria, de forma ainda mais contundente a partir daquele ano. Já em 2016 o cenário foi ainda pior. Conforme site G1[2], o número de brasileiros na lista de devedores cresceu de forma avassaladora, alcançando 58,3 milhões em dezembro daquele ano, segundo estimativa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). De acordo com o site, o número representava um aumento de 700 mil nomes na comparação com janeiro de 2016. Ou seja, graças ao mau desempenho da economia brasileira nos últimos anos, que ensejou o número recorde de mais de 12 milhões de brasileiros desempregados em 2016, houve um maior numero de cidadãos incluídos nas listas de proteção ao crédito e passando por dificuldades financeiras. Outra característica que trouxe forte tendência à propositura de ações declaratórias de inexistência de relação comercial foi o apoderamento da população acerca de seus direitos, o que vem aumentando após 26 anos da criação do Código de Defesa do Consumidor- Lei 8078/90. Assim, junto ao Poder Judiciário, cada dia mais se discute a aplicação da Súmula 385 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que teve origem na 2ª Seção, que reza: da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento. O processo que deu amparo a Súmula, “leading case”, foi o REsp 1.062.336/RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, proferido em sede de “recursos repetitivos” (543-C, do Código de Processo Civil). Entendeu-se, assim, que pela existência de outras inscrições desabonadoras, não haveria que se falar em dano moral, uma vez que a situação de negativação não é fato novo na vida do consumidor. Este entendimento está sedimentado no art. 186, do Código Civil[3], que dispõe que para se obter a reparação civil é necessária a comprovação do abalo moral sofrido. De acordo com a Súmula, resta claro que existindo restrição regular em nome do consumidor com data anterior a restrição discutida, impossível se falar em dano moral, já que o consumidor já estaria sofrendo os danos experimentados pela restrição desde a primeira pendência. Ou seja, inexistiria diferença entre uma ou várias restrições, já que nas duas situações os efeitos são os mesmos. Decorridos os anos, inúmeras foram as discussões acerca da Súmula, como, por exemplo, aquela que defende sua incidência limitada aos órgãos de proteção ao crédito[4], entendimento que vem sendo desprestigiado na grande maioria dos julgados. Contudo, entre todas as teses que envolvem a aplicação da Súmula, aquela que, a nosso ver, tem a maior capacidade de causar impacto jurídico econômico aos prestadores de serviço/fornecedor e, assim sendo, proporcionar maior ou menor litiosidade sobre o tema, é o fato de que a simples propositura de ação para discutir restrição anterior não afasta a incidência da Súmula. O entendimento majoritário é de que deve haver condenação ao pagamento de dano moral por inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, em que pese se reconhecer a existência de negativações anteriores, desde que sustentado e provado pelo demandante que não poderiam ser consideradas “regulares” para fins de incidência da Súmula, já que estas pendências eram objeto de discussão em outros processos. Porém, assim decidindo, ao nosso sentir, os Tribunais violam frontalmente o art. 186, do CC, pois, conforme acima exposto, para se obter a reparação civil é necessária a comprovação do abalo moral da parte, o que muitas vezes não se pode constatar pela simples ação para discutir a restrição anterior, isto porque, em muitas vezes, pode-se chegar à conclusão de que a restrição era lícita, pelo que a exclusão da incidência da Súmula teria sido equivocada. Ou seja, para que se acate o entendimento, necessário seria o trânsito em julgado da decisão que discutia o apontamento anterior. Nessa seara vem se firmando grande parte da Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Assim, tentar-se-á, nesse breve trabalho, trazer alguns exemplos do Tribunal Paulista, assim como precedentes de outras Cortes. Neste sentido, menciona três acórdãos que dispõem de maneira brilhante sobre o tema. O primeiro, julgado de relatoria do Desembargador Achile Alesina, membro da 38ª Câmara, que diante da mesma situação afirmou que a existência de discussão judicial a respeito das demais inscrições não as torna ilegítimas, situação que somente ocorre com a decisão favorável a apelante e efetivo trânsito em julgado, determinando-se a exclusão definitiva[5]. De outro lado, mas no mesmo norte, decisão de relatoria do Desembargador Nelson Jorge Junior, que compõe a 13ª Câmara do TJSP, que defende que os órgãos de proteção devem ser portadores de informações verdadeiras, pelo que a mera ação para discutir apontamentos anteriores não é suficiente para afastar o entendimento sumulado. Dando substância ao seu argumento, faz menção a Súmula 380 do C. STJ, que aduz que a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. Desta forma, conclui que somente após o trânsito em julgado é que é possível se reconhecer se o débito anterior é legítimo ou não e, assim, se há ou não incidência da Súmula 385 do STJ[6]. Chama também atenção o entendimento da 15ª Câmara, conforme acórdão de relatoria do Desembargador José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, que dispôs em sua fundamentação que: o fato das anotações restritivas anteriores ter sido objeto de questionamento na via judicial fls. 168/173 – não desnatura a pré-existência inibidora de indenização, pois o abalo de crédito é também pré-existente, e verificado justamente no momento em que lançado no cadastro uma nova restrição, mormente quando em momento anterior, nem nas ações, se deferiu suspensão ou cancelamento daquelas, corroborando o fato de que no exame do que consta anotado, o destinatário desses informes, geralmente o varejista, não indaga se as anteriores restrições são ou não legítimas, ou se há ou não discussão judicial[7]. Nesta mesma direção 2ª Câmara, Apelação 0066375-57.2012.8.26.0100, acórdão de relatoria do Desembargador Guilherme Santini Teodoro; 15ª Câmara, Apelação 0054542-48.2012.8.26.0001, acórdão de relatoria do Desembargador Jairo de Oliveira; 17ª Câmara, Apelação 0101175.14.2012.8.26.0100, acórdão de relatoria do Desembargador Irineu Fava; 20ª Câmara, Apelação 1047675-79.2013.8.26.0100, acórdão de relatoria do Desembargador Roberto Maia; 22ª Câmara, Apelação 1007450-80.2014.8.26.0003, acórdão de relatoria do Desembargador Roberto Mac Cracken; 29ª Câmara, Apelação 1038425-88.2014.8.26.0002, acórdão de relatoria do Desembargador Mello Colombi e 38ª Câmara, Apelação 1002527-89.2014.8.26.0462, acórdão de relatoria do Desembargador Flávio Cunha da Silva.

Assim, o que se vê, portanto, é que há uma tendência de orientação no Tribunal Bandeirante de que a mera propositura de ação não inviabiliza a incidência da Súmula 385 do STJ. Outros Tribunais, mesmo que de forma tímida, trazem também este entendimento. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através da 6ª Câmara, por meio de acórdão de relatoria do Desembargador Benedicto Ultra Abicair, dispôs aplicável, na hipótese, o verbete sumular nº 385, do Superior Tribunal de Justiça, considerando a existência de prévio apontamento cadastral, em nome da autora, decorrente de outra relação de consumo. Ressalte-se que, embora a apelante alegue ser indevida a notação preexistente em seu nome, certo é que não comprova tal fato, de forma cabal, já que a mera circunstância de estar sendo discutido judicialmente o apontamento não é suficiente para tanto[8]. O entendimento também é visto em julgados prolatados pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme posicionamento da Exma. Min. Nancy Andrighi, extraído de voto por ela proferido nos autos da RCl nº 4574/MG, datado de 23/02/11, quando dispôs que a literalidade da Súmula 385/STJ reza que “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. (…) A hipótese dos autos, em princípio, não era, ao tempo da propositura da ação que deu origem a esta reclamação, nem uma, nem outra. A inscrição do nome do autor no cadastro de inadimplentes ocorreu quando já havia inscrição anterior, mas tal inscrição também estava sendo discutida, em outra ação judicial, ainda não julgada. O resultado dessa outra ação ainda não era conhecido pelo juízo no momento do julgamento deste processo, portanto não era possível dizer, com segurança, se a inscrição anterior é legítima ou ilegítima.(…) Nesse ponto, convém lembrar que a mera discussão judicial do débito anteriormente inscrito em cadastro de inadimplentes naturalmente não implica a consideração automática de sua inexistência ou da ilegalidade da inscrição. Quem dirá se o débito é válido será o juiz da primeira causa e, enquanto o processo anterior não tiver sido julgado (ainda que em antecipação de tutela), a inscrição é, ao menos em princípio, válida. No mesmo sentido, decisão monocrática proferida pelo Ilmo. Min. Luis Felipe Salomão, nos autos do AREsp 369.833, prolatado em 08/10/2013, quando afirmou: em que pese ter o recorrente demonstrado, na petição de recurso especial, que algumas inscrições eram realmente irregulares -portanto, ilegítimas -, nota-se que sobejam ainda duas inscrições que estão sendo discutidas judicialmente, pelo que não há como afastar a incidência do enunciado em tela (Súm. 385/STJ). Com efeito, não se pode concluir que tais anotações também são ilegítimas e que, portanto, teria o Tribunal estadual aplicado equivocadamente referido verbete. Isto posto, acredita-se que esse entendimento deve ser prestigiado pelos tribunais pátrios, até para que injustiças não ocorram.
Contudo, ainda é majoritário o entendimento contrário, pelo que, para que essa discussão encontre maior enfrentamento por parte do STJ, deverá ser prequestionada a matéria de forma explícita nas instâncias inferiores, de forma a não encontrar barreira na Súmula 7 do C STJ[9].

[1] http://noticias.serasaexperian.com.br/inadimplencia-do-con…/
[2] http://g1.globo.com/…/pais-fechou-2016-com-583-milhoes-de-b…
[3] Artigo 186 do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito
[4] Entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, que não admitiu a súmula de forma direta, sob o argumento de que esta se aplicaria apenas a indenização é pleiteada em face do órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito, que, obrigatoriamente, deveria ter deixado de providenciar a notificação prevista no art. 43, § 2º, do CDC. AgRg no REsp nº 1.360.338/MG de 16/05/2013, de relatoria do Ministro Raul Araújo de 16/05/2013.
[5] Apelação nº 1063465-69.2014.8.26.0100
[6] Apelação nº 1042355-77.2015.8.26.0100
[7] Apelação nº 1010480-26.2014.8.26.0100
[8] Apelação nº 00526678020098190021
[9] Súmula 7. A PRETENSÃO DE SIMPLES REEXAME DE PROVA NÃO ENSEJA RECURSO ESPECIAL

* Sócio do escritório Silva Mello Advogados Associados e especialista em Processo Civil, Contencioso de Massa e Contratos de Consumo.