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UMA VISÃO SOBRE AS FINTECHS E SUA LEGISLAÇÃO
Autor(es): Lucas de Mello Ribeiro
Nunca se discutiu tanto taxa de juros, seja ela a Selic, seja a taxa de juros real. Entre julho de 2015 até setembro de 2016, a taxa de juros fixada pelo Copom – Comitê de Política Monetária do Banco Central – a Selic, manteve o exorbitante percentual de 14,25%, a maior taxa desde agosto de 2006. Para críticos o percentual era sem sentido, impactando a taxa de juros real e, por consequência, o endividamento da população, dificultando o crescimento econômico do país e fomentando o pavor de todos que dependem de crédito, pelo alto valor do spread bancário.
Contudo, deve ser frisado que o spread bancário não é influenciado exclusivamente pela Selic. Conforme palavras do presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, a composição do spread é formado pelo risco de inadimplência; custo administrativo da operação; compulsório; encargos ficais; FGC (fundo garantidor de crédito); impostos indiretos e outros custos. Todos esses itens somados, menos o valor efetivo do spread, leva ao lucro da operação que, ao contrário do que a grande maioria pensa, não mais possui a margem de outrora.
Sábias as palavras do ex-diretor do Bacen, Carlos Eduardo de Freitas, “o spread bancário está muito mais relacionado às condições da economia do que aos movimentos da taxa Selic. Enquanto as contas públicas estiverem desequilibradas, o spread não vai cair.”
No meio acadêmico/econômico, o assunto tomou debate acalorado após a publicação de artigo do economista André Lara Resende no jornal Valor Econômico, quando o ex-presidente do BNDES faz críticas à política econômica Brasileira, baseada em altas taxas que se justificariam pelo combate à inflação.
Contudo, como acima esclarecido, o corte na Selic não enseja, obrigatoriamente, a diminuição do spread bancário ou da taxa de juros real. Tanto isso é verdade que desde outubro de 2016 o Copom vem efetivando cortes representativos na Selic, gerando um decréscimo de 4% em seu percentual, que ensejou uma taxa de 10,25% em maio de 2017, menor nível desde 2013, e uma previsão próxima a 8% em dezembro de 2017, que se espera confirmar, mesmo com o turbilhão político que assola o país. Não obstante isso, o consumidor não vem percebendo a diminuição do custo do dinheiro, já que o repasse é pouco expressivo.
Assim, há correntes no sentido de que uma das maneiras de pressionar a baixa da taxa de juros real seria a entrada de novos bancos no país, já que o mercado estaria limitado a 5 (cinco) grandes bancos, que, em tese, manteriam entre eles o monopólio do crédito. Todavia, não nos parece ser essa a solução, já que, ao que tudo indica, o Brasil não se mostra atrativo para as grandes instituições globais, tanto que nos últimos 15 (quinze) anos houve entrada relevante de bancos estrangeiros no país, sendo que, entre todos aqueles que aqui investiram, o único que ainda permanece ativo no varejo é o Santander.
Contudo, um novo meio de fornecimento de serviços bancários, inclusive por meio da intermediação na concessão de crédito, está em voga não só em nosso país, mas em todo o mundo, o que pode ensejar a diminuição do custo da moeda para o consumidor final. Esse modelo tem nome: Fintech.
Para aqueles que desconhecem, as Fintechs são startups criadas para as áreas de serviços financeiros, diferenciando-se dos bancos tradicionais em razão de seu processo ser fundamentado em tecnologia. Assim, as Fintechs fornecem serviços ou produtos financeiros que melhore aqueles já ofertados pelos bancos tradicionais. De acordo com Fábio Almeida Braga, as Fintechs são “a fusão de meios e recursos ofertados pela indústria de infraestrutura cibernética aos mercados financeiros e de capitais mundo afora. São as chamadas financial technologies que são diariamente introduzidas no cotidiano de milhões de usuários de serviços e consumidores de produtos financeiros.”
Apesar de pouco formal, o GuiaBolso traz uma definição interessante sobre o modelo de negócio: “Fintech é toda empresa que se propõe a oferecer serviços relacionados ao seu dinheiro, só que a custos bem mais baixos que os dos bancos, e beneficiando-se do imenso alcance da internet. O destaque da fintech é o nível da sua eficiência: por usar tecnologia de ponta, é capaz de entregar resultados altamente satisfatórios.”
Para ilustrar a importância e o impacto em um futuro próximo desse modelo de negócio, ao fazer oferta para aquisição da Intuit Inc., empresa de soluções para gestão financeira, através da Microsoft, Bill Gates profetizou: “serviços bancários são essenciais, bancos não são.”
Conforme a revista exame, em menos de dois anos, o número de Fintechs no Brasil sairia de poucas dezenas para cerca de 250, o que demanda preocupação pela sua regularização, mesmo entendendo os entes fiscalizadores que a representatividade das operações é pequena, pelo que hoje seria desnecessária uma intervenção especifica para esse modelo de negócio.
De acordo com artigo publicado no New York Times em 16/05/2017, denominado “Fintech Brazil’s Moment”, baseado em relatório emitido pelo Goldman Sachs, está ocorrendo um fenômeno de crescimento vertiginoso desse modelo de negócio no Brasil, que, na ótica do relatório, pode ameaçar o mercado de grandes bancos. Ademais, conforme o estudo, o potencial de receita das Fintechs no Brasil pode chegar a US$ 24 bilhões nos próximos 10 anos, o que é representativo. Nesse cenário, afirma o Goldman Sachs que o impacto das Fintechs no Brasil poderá ser maior do que em muitos outros países, em especial pelo fato do nosso setor bancário ser concentrado. Afirma ainda, que as Fintches ensejarão uma diminuição do spread bancário como um todo no Brasil, além de impactar no valor das taxas bancárias no mercado em geral.
Isto posto, importante frisar que o mote das Fintechs é atuar em áreas como meio de pagamentos; gerenciamento financeiro; otimização de “recompensas” de cartões de crédito: “milhas”; empréstimos e negociação de dívidas; investimentos; seguros; eficiência financeira; e bitcoins, por meio da compra, venda e outras transações que utilizam moeda virtual.
Portanto, trata-se de um modelo que lida com produtos e serviços financeiros, mas que, para se diferenciar dos bancos tradicionais e gerar competitividade, tem em seu DNA o uso intensivo da tecnologia.
Porém, existe o outro lado da moeda, que é representada pelos críticos do modelo, que, em especial, defendem que o case só evolui por não estar sujeito à regulamentação específica, burocracia das operações tradicionais, muito menos ao aparato jurídico que atinge os bancos, o que, por assim ser, encarece as operações e a concessão do crédito.
Nesta mesma linha, há aqueles que defendem que os benefícios não superam a necessidade de prevenção e gerenciamento dos riscos do meio virtual.
Ou seja, atualmente a grande questão que envolve o modelo é sua regulamentação. Assim, importante frisar que as Fintechs começaram a ser discutidas do ponto de vista legal quando da vigência da nova legislação de meios de pagamentos. Assim, a partir da Lei 12.865/13, que pretendia incentivar a competição no setor bancário por meio da oferta de novas empresas de arranjos e pagamento, barateando os serviços, deu a possibilidade para o surgimento das Fintechs. Porém, a Lei 12.865/13 trata de meios de pagamentos, mas não especificamente de Fintechs e todas as suas ramificações de serviços bancários, financeiros e de mercado de capitais.
Diante disso, vem à mente a frase do jurista português Calvão da Silva, quando afirma: “o direito bancário não é tão somente o direito dos bancos”. Ou seja, as Fintechs, apesar de não regulamentadas de maneira específica na legislação pátria, por realizarem e/ou viabilizarem operações bancárias, também integram o espectro do direito bancário e, por assim ser, devem ser objeto de estudo por aqueles que militam na área.
Esse entendimento toma ainda mais corpo quando lembramos que quanto mais dinheiro se movimenta, recebe ou fatura, mais riscos são inerentes ao negócio, e que, apesar da melhora da segurança na internet, este ainda não é um ambiente sem riscos de fraudes.
Entretanto, apesar de não haver legislação específica, isto não quer dizer que o modelo não é monitorado pelos órgãos regulamentadores e fiscalizadores do Sistema Monetário Nacional, já que muitas das suas atividades tendem, até pela natureza, a se submeter à competência desses entes legais.
Como exemplo, chama atenção para os serviços de intermediação de mútuo via Fintechs. Essas operações, por concederem crédito, obrigatoriamente trazem o dever legal do Bacen atuar em sua fiscalização. Em outras palavras, apesar de hoje não existir legislação que obrigue que as Fintechs sejam previamente autorizadas pelo Bancen, deverão ser fiscalizadas pelo órgão regulador nessas hipóteses. Ou seja, para as situações as que envolvem mútuo, necessário que haja uma instituição financeira vinculada à operação, dando legalidade ao serviço prestado. Nestes casos, portanto, as Fintechs firmam parcerias com Instituições Financeiras para, somente assim, ofertar o produto. Essa regra tem raiz no fato de que não é autorizada a nenhuma Fintech captar e, após, emprestar dinheiro.
Contudo, existem em países da Europa e América do Norte formas de concessão de crédito, por meio de Fintechs, que exclui a intermediação de Instituições Financeiras. Trata-se da Peer-to-Peer Lending ou P2P Lending. Este modelo é viabilizado pela reunião de um grupo de investidores organizados por meio de uma plataforma digital operacionalizada no formato de Fintech que, por sua vez, oferece, também por meio virtual, ambiente de reunião entre pessoas e empresas que precisam de crédito e aquelas dispostas a emprestar dinheiro.
Assim, as Fintechs que operam empréstimos P2PLending oferecem, do lado de quem empresta, a possibilidade de retornos financeiros mais atrativos do que produtos tradicionais, e, do lado de quem toma, taxas de juros menos custosas.
Nos Estados Unidos, com a consolidação desta operação, e visando proteger os interesses dos entes da cadeia, já que o risco é intrínseco a este tipo de negócio, a SEC (Securitiesand Exchange Commission) regulamentou a legislação das Fintechs com crédito P2P, para lhes obrigar a se registrarem como agentes do sistema de distribuição de valores mobiliários, pelo que suas ofertas são previamente aprovadas pelas regras do Securities Act de 1993, principal legislação de oferta pública de investimentos naquele país.
No Brasil esse tipo de operação não encontra guarida na norma, ou seja, o P2Plending obrigatoriamente precisa envolver uma instituição financeira como intermediária, quebrando um pouco a sistemática da operação exclusivamente entre partes, mas viabilizando a atividade dentro dos parâmetros regulatórios existentes, ainda que a instituição financeira seja apenas o agente recebedor ou pagador da transação.
Com relação às consultorias de gestão financeira, apesar de não haver necessidade de formalização ou autorização específica, as atividades devem ser integralmente pautadas pela regulação que versa sobre coleta, tratamento, manutenção e guarda de informações, uma vez que elas são protegidas constitucionalmente pelo sigilo de dados, bem como pelo Marco Civil da Internet, que reforçou a proteção à privacidade e à intimidade de dados na rede.
Com relação a serviços de investimento participativo/coletivo, operação que lembra os antigos clubes de investimento, e demais operações de mercado de capitais, devem estas ser fiscalizados e regulamentados pelo CVM- Conselho de Valores Mobiliários, conforme Lei 6.385/76 e, por consequência, monitorados pelo órgão fiscalizador, já que seus membros destinam valores e, assim, almejam lucro que, pela natureza, traz alto grau de risco intrínseco à transação. Ou seja, trata-se de serviço sensível e um insucesso pode causar impacto ao grupo e, dependendo dos valores envolvidos, a sociedade em geral.
Ademais, assim como ocorre com os bancos tradicionais, como alguns serviços ensejam movimentação de dinheiro, devem sempre ser respeitadas as normas que visam a prevenção à lavagem de dinheiro e fraudes, e, por consequência, haver submissão à fiscalização do COAF- Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Desta forma, somos do entendimento de que, pela provável diversificação de produtos ofertados pelas Fintechs, e pela rápida evolução dos meios tecnológicos, existe a necessidade de regulação específica sobre este modelo de negócio.
Contudo, como acima exemplificado, não se deve pensar que os órgãos regulatórios fazem ouvidos moucos para o modelo. Tanto isso é verdade que a CVM criou o Fintech Hub – núcleo dedicado à discussão do tema, que se soma a casos emblemáticos de fiscalização, como os processos administrativos abertos pela própria CVM e BACEN contra a Fairplace, Fintech indiciada por crime financeiro.
A Fairplace foi uma iniciativa de P2P lending no Brasil. Como é de conhecimento, esta plataforma, uma espécie de rede social, aproximava pessoas físicas para se conectarem e negociarem diretamente contratos de empréstimos, sem a intermediação de bancos. A operação usava o slogan: “me adiciona. E me empresta algum”.
Poucos meses após o lançamento, essa Fintech teve suas atividades encerradas, já que a forma de concessão de crédito foi entendida pelos órgãos reguladores como intermediação financeira.
A defesa da Fairplace era de que não usava o dinheiro, mas apenas recebia os recursos e os repassava aos tomadores. Contudo, conforme o Jurista Eduardo Salomão Neto “como os recursos dos investidores emprestados via Fairplace passam por contas da empresa, a companhia precisa de autorização do BC”.
Lembre-se, a Lei 7.492/86 define os crimes contra o sistema financeiro nacional, apontando em seu artigo 16o crime de operação de instituição financeira sem autorização. Ou seja, no Brasil fazer a intermediação via P2P lending evidencia infração ao sistema financeiro nacional.
Ademais, o Bacen criou grupo de trabalho interdepartamental pela Portaria 89.399, que pretende elaborar estudo sobre inovações tecnológicas digitais ligadas a atividades desempenhadas no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). A ideia é avaliar que tipo de impacto as inovações podem causar, e, se for necessário, agir, legislando de forma específica.
Ademais, de acordo com Relatório de Estabilidade Financeira do Bacen, datado de setembro de 2016, o órgão regulador afirma que “está vigilante em relação à introdução de inovações na medida em que elas possam ter consequências sobre a solidez do Sistema Financeiro“. Afirmando, ainda, que “estará pronto para adotar tempestivamente as medidas necessárias para a manutenção da estabilidade do SFN”.
Contudo, como acima esclarecido, no caso de regulamentação, pela variedade de serviços prestados pelas Fintechs, que faz com que algumas delas já estejam sendo fiscalizadas, deverá o legislador se preocupar em dispor de forma específica para cada segmento, sempre com a cautela de não inviabiliza-lo pelo excesso de burocracia nas exigências.
Ouve-se, portanto, correntes que defendem que a regulamentação é necessária, mas somente para as Fintechs que realmente demandam preocupação de risco, fraude ou ilícito, de modo a evitar que uma intervenção mais ampla implique efeitos negativos no crescimento do modelo de negócio e nos benefícios que podem trazer para o mercado como um todo.
Interessante também chamar atenção que, de acordo com a agência Reuters, a preocupação sobre brechas na legislação e a falta de efetiva regulamentação não é só uma preocupação do nosso país, já que o Conselho de Estabilidade Financeira da Europa (FSB), que é formado por bancos centrais, reguladores e autoridades de ministérios de finanças do G20, tem forte movimento para uma regulamentação homogênea do modelo e, com isso, blindar o sistema financeiro como um todo.
Assim, indaga-se: há como se admitir barreiras para a evolução tecnológica e para o barateamento do crédito? Acreditamos que não. Porém, para que aconteça de maneira harmônica e saudável, soluções legais devem ser tomadas por parte dos entes governamentais, no intuito de que o binômio risco vs interesse seja equacionado. Nesta linha, exigências de garantia e de liquidez mínima deveriam ser aplicadas, quando necessário, o que poderia viabilizar operações mais complexas, como aquelas de P2P lending que, sem sombra de dúvida, impactarão favoravelmente no valor do spread bancário e as taxas financeiras.
https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp
diferença entre o preço de compra (procura) e venda (oferta) para empréstimo de dinheiro a alguém- taxa que será certamente superior à taxa de captação.
Painel Spreed Bancário- Ilan Goldfajn- Brasília 7/2/2017
Juros e conservadorismo intelectual, Valor Econômico- 13.01.2017
Conforme dados do Goldman Sachs, no setor bancário de varejo, os cinco principais bancos no Brasil têm 90%
de fatia do setor, o que representa um aumento de 71% em comparação a 2007.
Dentro do segmento das empresas de pequeno porte, existe uma modalidade de empresas específica: as empresas emergentes (start-ups), que podem ser definidas como empresas iniciantes de tecnologia (Fernandes, 2015). São empresas normalmente de base tecnológica, possuem espírito empreendedor e uma constante busca por um modelo de negócio inovador. Este modelo de negócios é a maneira como a empresa emergente gera valor – ou seja, como transforma seu trabalho em dinheiro. Criam modelos de negócio altamente escaláveis, a baixos custos e a partir de ideias inovadoras, são empresas startups. Empresas emergentes não são somente empresas de internet. Elas só são mais frequentes na internet porque é bem mais barato criar uma empresa de software do que uma indústria.
http://jota.uol.com.br/fintechs-e-necessidade-de-regulacao
https://blog.guiabolso.com.br/2016/05/10/entenda-o-que-e-fintech/
http://exame.abril.com.br/pme/fintechs-se-multiplicam-com-bc-e-cvm-atentos-e-regulacao-precaria/
A versionofthisarticleappears in printon May 16, 2017, on Page B3 ofthe New York editionwiththeheadline: Financial Tech FirmsCouldChallengeBrazil’s Big Banks, ReportSays.
Ele é uma tecnologia digital que permite reproduzir em pagamentos eletrônicos a eficiência dos pagamentos. Pagamentos com bitcoins são rápidos, baratos e sem intermediários. Além disso, eles podem ser feitos para qualquer pessoa, que esteja em qualquer lugar do planeta, sem limite mínimo ou máximo de valor.
João Calvão da Silva- Banca, Bolsa e Seguros, Ed. Almedina- 2013
Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena — Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.